Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

caminho que ele próprio abriu. Reuniu os fatos com uma lucidez que
nada deixa a desejar, e contudo a interpretação que deu desses fatos
permanece singularmente estreita e decepcionante, relativamente às poso
sibilidades apresentadas à reflexão.
O estabelecimento da relação entre o casamento entre primos cru·
zados e o casamento por troca deveria ter conduzido à descoberta da
estrutura universal, ao mesmo tempo permanente e fundamental, do ca·
sarnento. Em vez disso, Frazer viu no matrimônio dos primos cruzados
uma forma histórica de matrimônio, e na troca uma outra forma his·
tórica. Preocupou·se em estabelecer entre essas formas, e entre estas e
outras, tais como a organização dualista e o sistema classificatório, rela·
çôes de sucessão temporal e de conexão causal. Tentou interpretar no
interior da história cultural aquilo que para nós é o meio de sair da
história cultural. Procurou analisar como momentos da evolução social
aquilo em que vemos a condição da sociedade. Parece, entretanto, que
Frazer teve a intuição das posSibilidades abertas por sua teoria, mas
não as menciona senão para logo após repeli·las com terror. A propó'
sito das classes matrimoniais australianas, sempre encontradas em número
par, escreveu com efeito: "Isto sugere o que todos os fatos tendem a
confirmar, isto é, que estes grupos resultam de uma bissecção voluntária
e repetida da comunidade, dividida primeiramente em dois, depois em
quatro e finalmente em oito grupos ou classes exogâmicas praticando
o intercasamento. Porque ninguém, tanto quanto eu saiba, ousou ainda
pretender que a sociejade esteja submetida a uma lei física, em vir·
tude da qual as comunidades humanas tenderiam, como os cristais, a
se integrarem e a se desintegrarem automática e inconscientemente, se-
gundo regras matemáticas rígidas, em elementos rigorosamente simétri·
cos".' Certamente não passa pela nOssa cabeça comparar as sociedades
aos cristãos. Mas se é verdade - como procuramos demonstrar aqui



  • que a passagem do estado de natureza ao de cultura se define pela
    aptidão, por parte do homem, em pensar as relações biológicas sob for-
    ma de sistemas de oposições, a saber, oposição entre os homens pro·
    prietários e as mulheres apropriadas. oposição, no meio destas últimas,
    entre as esposas, mulheres adquiridas, e as irmãs e filhas, mulheres ce·
    didas, oposição entre dois tipos de laços, os de aliança e os de paren-
    tesco, oposição, nas linhagens, entre as séries consecutivas (compostas de
    indivíduos do mesmo sexo) e as séries alternadas (onde o sexo muda ao
    passar de um indivíduo ao seguinte), se é verdade, finalmente, que a
    troca é o resultado imediato desses pares de oposições e que a dico-
    tomia dos primos é a reflexo da troca, então, não se pOderá sem dúvida
    dizer que "as comunidades humanas tendem automática e inconsciente-
    mente a se deSintegrarem, segundo regras matemáticas rigidas, em ele-
    mentos rigorosamente simétricos", mas será preciso talvez admitir que
    a dualidade, a alternância, a oposição e a simetria, quer se apresentem
    em formas definidas ou vagas, constituem não fenômenos que se trata
    de explicar, mas os dados fundamentais e imediatos da realidade mental
    e social, e que se deve reconhecer neles os pontos de partida de toda
    tentativa de explicação.
    O primeiro vício da interpretação de Frazer reside, com efeito, na
    dissociação que introduz no intimo do casamento dos primos cruzados
    7. Frazer, op. cit., p. 231.


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