Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

que, do ponto de vista de momelker e de natchiwalker, é a pessoa que
julgam submetida à proibição dos sogros"."
Esta Interpretação parece·nos entrar pelo caminho de um finalismo
sociológico arbitrário e perigoso, porque conduz, em última análise, a
explicar os fundamentos inconscientes da vida social por superestruturas
conscientes ou semiconscientes, e os fenômenos primários por outros,
secundários e derivados. Todos os especialistas da Austrália acentuaram
a importância do sistema de parentesco, mostrando que as relações de
parentesco permitem definir a posição social respectiva dos indivíduos
no interior do grupo e os direitos e deveres de uns com relação aos
outros. Esta observação geral perderia todo sentido se fosse preciso ad·
mitir, como propõe Warner, que são exigências psicológicas que deter·
minam a existência ou a não-existência de certos graus de parentesco.
Porque então ficaríamos encerrados num circulo, o sistema de parentes·
co provocando as atitudes e as atitudes modificando o sistema de pa·
rentesco. Mesmo se as relações de kutara e de mari, de momelker e de
dumungur não existissem na terminologia, haveria sempre alguém que
ocuparia o lugar do qual estes termos são. a simples denominação. A
função de equilibrio, desempenhada pelo kutara e pelo mari, nem por isso
deixaria de estar assegurada, num sistema cuja estrutura e terminologia
seriam simplesmente diferentes. Inversamente, se acrescentarmos indefini-
damente colunas suplementares, uma função determinada apareceria no
sistema para cada nova relação de parentesco assim criada." Para jus·
tificar o acréscimo das classes suplementares Warner raciocina, conforme
vimos, como se o sistema Mumgin pudesse funcionar somente com três
linhagens, mas como, neste caso, é evidente que o sistema terminaria
de maneira abrupta dos dois lados, Warner inclui uma hipótese que não
é nem necessária nem suficiente. Não é necessária porque teoricamente, e
levando-se em conta a existência das metades, não são três linhagens
que se tornam exigidas para assegurar o funcionamento do sistema, mas
quatro. Por outro lado, a hipótese psicológica não é suficiente, porque,
invocada para evitar que o sistema termine em uma situação instável,
não garante nada disso. Com quem se casa natchiwalker e quem casa
com dumungur? As indicações dadas por Warner sobre este ponto são
obscuras. "Este tipo de casamento assimétrico com um dos primos cru·
zados é a causa de um parente masculino da terceira coluna patrilinear
à direita do Ego não ter cônjuge (no sistema de parentesco), a menos
que se proceda ao acréscimo sem fim de linhagens para tentar realizar
uma estrutura simétrica. Mas, à medida que se acrescentar uma nova
linhagem. outra seguinte será necesasária. a menos que seja criado um
procedimento especial para permitir que a nova linhagem entre no in·
terior do sistema de parentesco. É isto que os indigenas fizeram. Nat·



  1. Ibid .• p. 182.

  2. [Leach (Rethinking Anthropology, Londres 1961, p. 77) protestou desde 1951
    contra minha critica de Wamer, afirmando que a interpretação pslcossociológica deste
    autor era perfeitamente estrutural, e que a tomava sua. Contudo, para perceber o
    caráter artificial desse gênero de argumento basta constatar que Wamer hesita, para
    construir um modelo· em equilibrio, entre 5 e 7 linhas, ao passo que Leach - que
    pretende adotar a interpretação de Wamer - utiliza apenas 4 (que aliás não são as
    mesmas escolhidas por Wamer). O que confirma minha tese que essas reconstruções
    "funcionaltstas" têm caráter tautológico. É possivel propor uma quantidade bastante
    grande para que uma qualquer seja boa].


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