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graus, ou então não tem conseqüências, tornando-se simples efeito de uma
escolha livre e sem motivo. Por conseguinte, se o sistema pode ser cha-
mado prescritivo, é na medida em que primeiramente é preferencial, e
se não for também preferencial o aspecto prescritivo desaparece.
Reciprocamente, um sistema que preconiza o casamento com a filha
do irmão da mãe pode ser chamado prescritivo, mesmo se a regra for
raramente obedecida, porque diz o que se deve fazer. A questão de sa-
ber até que ponto e em que proporção os membros de determinada so-
ciedade respeitam a norma é muito interessante, mas diferente da questão
do lugar que convém dar a esta sociedade em uma tipologia. Porque
basta admitir, de acordo com a probabilidade, que a consciência da re-
gra inclina, ainda que pouco, as escolhas no sentido prescrito e que a
porcentagem dos casamentos ortodoxos é superior à que se verificaria
se as uniões fossem feitas ao acaso, para reconhecer que está em ação
nessa sociedade aquilo que se pOderia chamar um "operador" matrilate-
ral, desempenhando o papel de piloto. Certas alianças pelo menos en-
tram pelo caminho que o operador lhes traça, e basta isso para imprimir
uma curvatura especifica ao espaço genealógico. Sem dúvida, haverá um
grande número de curvaturas locais, e não uma só. Sem dúvida, estas
curvaturas locais reduzir-se-ão freqüentemente a esboços, e não formarão
ciclos fechados senão em casos faros e excepcionais. Mas os esboços de
estruturas que surgirão aqui e ali bastarão para fazer do sistema uma
versão probabilista de sistemas mais rijOS, cuja noção é inteiramente teó-
rica, nos quais os casamentos seriam rigorosamente conformes com a
regra que agrada ao grupo social enunciar.
Lounsbury tinha compreendido muito bem, ao fazer a resenha de
Structure and Sentiment (American Anthropologist, 64, 6, 1962, p. 1308),
que o mal·entendido fundamental provém de se ter igualado a oposição
entre "estruturas elementares" e "estruturas complexas" com a oposição
entre "casamento prescritivo" e "casamento preferencial", e em seguida
de apoiar-se nessa confusão para substituir uma à outra.' Sustento, ao
contrário, que uma estrutura elementar pode ser indiferentemente pre-
ferencial ou prescritiva. O critério de uma estrutura elementar não se
acha aí, mas reside inteiramente no fato do cônjuge, quer preferido quer
prescrito, ser tal pela exclusiva razão de pertencer a uma categoria de
afinidade ou de possuir com Ego uma certa relação de parentesco. Nou·
tras palavras, a relação imperativa ou desejável é uma função da estru-
tura social. Entramos no domínio das estruturas complexas quando a
razão da preferência ou da prescrição depende de outras considerações.
Por exemplo, quando se explica pelo fato da esposa desejada ser loura,
ou esbelta, ou inteligente, ou porque pertence a uma família rica e po·
derosa. Neste último caso trata·se sem dúvida de um critério social, cuja
apreciação é relativa, não sendo estruturalmente definida pelo sistema
Tanto no caso dos sistemas elementares quanto no dos sistemas com-
plexos, por conseguinte, o emprego do termo "preferencial" não se re·
- O mesmo pode dizer-se da equiparação da troca restrita à solidariedade me-
cânica, e da troca generalizada à solidariedade orgânica, admitida sem discussão
por Homans e Schneider. Porque, se considerarmos a sociedade como um todo,
tanto na troca restrita quanto na troca generalizada, cada segmento desempenha uma
função idêntica à dos Qutros segmentos. Trata-se, portanto, de duas formas diferentes
da solidariedade mecânica. Sem dúvida, eu próprio, várias vezes, utilizei os termos
"mecânico" e "orgânico", mas numa acepção mais frouxa que a acepção que lhes
foi dada por Durkheim e que houve quem pretendesse reconhecer.
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