fere a uma inclinação subjetiva, que levaria os individuos a procurar o
casamento com um certo tipo de parente. A "preferência" traduz uma
situação objetiva. Se tivesse o poder de fixar a terminologia, chamaria
"preferencial" todo sistema no qual, na falta de uma prescrição clara·
mente formulada, a proporção dos casamentos entre um certo tipo de
parentes reais ou classificatórios (tomando esta palavra no sentido mais
vago que o definido por Morgan), quer os membros do grupo o saibam
ou ignorem, é mais elevada do que resultaria se fosse devida ao acaso.
Esta proporção objetiva reflete certas propriedades estruturais do siso
tema. Se chegássemos a apreendê·las, estas propriedades se revelariam
isomórficas das que nos são diretamente cognoscíveis em sociedades que
ostentam a mesma "preferência", mas dando·lhe o aspecto de uma preso
crição, e admitindo na prática obter exatamente o mesmo resultado, a
saber, na hipótese do casamento com a prima cruzada matrilateral, assim
como com mulheres provenientes de grupos exclusivamente "doadores",
de um lado redes de aliança que tendem idealmente a se fecharem (em-
bora não o façam necessariamente), de outro lado e sobretudo, redes
relativamente longas em comparação com as que se poderia observar
ou imaginar em sociedades onde o casamento fosse preferencial com a
filha da irmã do pai, acarretando (mesmo na ausência de regra pres-
critiva) um encurtamento correlativo dos ciclos.'
Em outras palavras, não contesto que entre as formas prescritiva
ou preferencial de um tipo qualquer de casamento não se possa fazer
uma distinção de ordem ideológica. Mas os termos extremos sempre
admitem uma série contínua de aplicações intermediárias. Faço o postu-
lado de que esta série constitui um grupo e que a teoria geral do sistema
só é possível no nível do grupo e não no nível de tal ou qual aplicação.
Não se deve dissolver o sistema, reduzi-lo pela análise às diversas ma-
neiras pelas quais, aqui ou ali, os homens preferem representá-lo. Sua
natureza decorre objetivamente do tipo de distância criada entre a for-
ma que se impõe à rede de aliança de uma sociedade e a que se ob-
servaria nessa sociedade se as uniões fossem feitas ao acaso. No fundo,
a única diferença entre o matrimônio prescritivo e o preferencial si-
tua·se no plano do modelo. Corresponde à diferença que antigamente
propus traçar entre o que chamava "modelo mecânico" e Umodelo esta-
tístico" (Anthropologie Structurale, p. 311-317), isto é, em um caso um
modelo cujos elementos encontram·se na mesma escala que as coisas
- l!: verdade que, acompanhando Josselin de Jong, que já tinha feito uma obser-
vação do mesmo tipo há muito tempo (l. c.), Maybury-Lewis ("Prescriptive Marriage
Systems" Southwestern JO'Urnal 01 Anthropology, 21, 3, 1965) acredita poder afirmar
que o modelo teórico de um sistema patrilateral contém ciclos tão longos quanto
o modelo matrilateral. A única düerença seria que os ciclos se invertem regular-
mente no primeiro caso, ao passo que conservam a mesma orientação no segundo_
Mas, ao ler desse modo o diagrama, somos simplesmente vítimas de uma ilusão
de ótica. Que os ciclos curtos, exprimindo o desejo do retorno tão rápidO quanto
possivel da mulher dada em troca da mulher cedida à geração anterior (filha da
irmã pela irmã do pai), constituem o traço caracterfstico do sistema patrilateral.
é fato amplamente comprovado pela filosofia não somente daqueles que o aprovam
mas também daqueles, em número muito maior, que o condenam. E vale mais
concordar com o julgamento universal dos interessados do que contradizer ao mesmo
tempo os fatos e a si mesmo, afirmando simultaneamente que um sistema patrila-
teral forma ciclos longos porque os percebemos no diagrama, mas que sua natureza
é tal que não consegue fechar mesmo os ciclos mais curtos. Raciocinando dessa
maneira, confunde-se a realidade empfrica não mais somente com o modelo, mas
com o diagrama.
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