como um fenômeno contingente, ao passo que eu tinha mostrado que
são estruturalmente ligados.
Passarei mais rapidamente sobre outra censura de Leach (l.c. p. 80,
nota 1), a de não ter em meu estudo do sistema Katchin distinguida
claramente hipergamia de hipogamia. A razão é que do ponto de vista
formal não era necessário fazer a distinção entre os dois tipos, e para
tomar manifesto este ponto utilizarei de aqui em diante o termo ani-
sogamia, tomado da botânica, que exprime simplesmente que o casa-
mento se 'faz entre cônjuges de situações diferentes, sem prejulgar qual
deles, o homem ou a mulher, se encontra colocado mais alto ou mais
baixo. Ainda aqui Leach, que considerava em 1951 que a anisogamia era
um aspecto estrutural do sistema Katchin, em 1954 parece ter se apro-
ximado sensivelmente do meu ponto de vista: "O casamento de primos
cruzados matrilaterais é... um correlato de um sistema de linhagens
patrilineares aparelhado em uma hierarquia de classes. Não se segue ne-
cessariamente que os doadores de noivas (mayu) devam estar situados
mais alto do que os recebedores (dama). Mas segue-se que se a diferença
de classe é expressa pelO casamento, então mayu e dama devem ser ex-
clusivos, um dos dois situando-se acima do outro." (Political Systems
of Highland Burma, p. 256) [trecho em inglês na original - N. do T.].
Com efeito, segundo me parece, assim como o casamento matrilateral
e o casamento patrilateral são um e outro compatíveis com os dois mo-
dos de filiação, embora o casamento patrilateral seja mais provável no
regime de filiação matrilinear (em razão de sua instabilidade estrutural,
que o leva a procurar os circuitos curtos), e o casamento matrilateral
mais provável no regime patrilinear (que pode com mais facilidade tomar
a liberdade de alongar os ciclos), assim também a hipogamia (que re-
presenta a facies materna da anisogamia) em regime de filiação pa-
trilinear é indicio de uma estrutura relativamente instável, e a hiperga-
mia de uma estrutura estável. A hipogamia constitui um índice de ins-
tabilidade em uma sociedade patrilinear de tendência feudal porque sua
prática é característica de linhagens que procuram na aliança (isto ê,
no reconhecimento dos cognatos) um meio de afirmar sua posição de
agnatos. Faz do cognatismo um meio de agnatismo, enquanto a hiper-
gamia postula mais logicamente que em um sistema agnático as rela-
ções cognáticas não são pertinentes. Fazer, portanto, da configuração hi-
pogâmica Katchin um resultado histórico e local da assimilação "de idéias
Shan sobre a diferença de classes" (l.c. p. 256) [frase em inglês no ori-
ginal. N. do T.], é desconhecer que a hipogamia representa um imensa
fenômeno estrutural, atestado pelo mundo nos tabus dos sogros, e que
corresponde a um estado de tensão entre linhagens paternas e maternas,
não ainda desequilibrado em proveito exclusivo das primeiras, conforme
acontece na hipergamia verdadeira. Em seu artigo de 1957 no qual, a
propósito de outro problema, oferece uma interpretação, desta vez ver-
dadeiramente estrutural, da relação entre "affinal tie" e "sibling tie",
Leach parece ter enfim alcançado o princípio de uma tipologia que po-
deria ser estendida à classificação dos gumsas e gumlaos, onde as trocas
de mulheres estão ainda presas no sistema geral das prestações.
Terminarei pela última censura que Leache me fazia em 1951, a de
desembocar numa história conjetural do conjunto das sociedades asiá-
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