Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

de outro modo, é preciso distinguir entre antiguidade histórica e priOri_
dade funcional. Deste ponto de vista, os fenômenos de troca restrita, nos
sistemas Naga, aparecem-nos como secundários em relação aos que se
prendem à troca generalizada. Mas ainda aqui trata-se menos de uma
precedência histórica do que de uma anterioridade lógica. :€ possível
perfeitamente conceber que, tendo por base uma velha organização clã-
nica, certos clãs tenham se transformado em linhagens feudais unidas
entre si por uma estrutura de troca generalizada, enquanto que os outros
continuaram a funcionar, na sombra e nas regiões afastadas, de acordo
com uma fórmula recíproca. Feita a ressalva, no que respeita à troca
restrita, de retomar o lugar anterior quando o sistema feudal atinge o
periOdo de crise, cujo aparecimento é revelado por certos costumes Naga,
a saber, eqUiparação das façanhas amorosas à caça de cabeças, entre Os
Angami, 13 casamentos infantis entre os nobres Angami orientais, H extremo
desenvolvimento das regras da compra entre os Lhota, que se asseme-
lham a este respeito aos Katchin e aos Lakher, " finalmente, papel consi-
derável dos "Objetos valiosos" ou riquezas sagradas, entre os Ao Naga."
Em todo o caso, é a aldeia que se mostra ser a unidade exogãmica
mais recente. "Os khels que vivem lado a lado na mesma aldeia podem
demonstrar, uns com relação aos outros, sentimentos tão hostis que um
não fará nenhum esforço para deter o massacre do outro, mesmo no
recinto da aldeia"." Por isso, "os khels que compõem a aldeia estão em
rude conflito ... os conflitos entre khels eram, e continuam a ser, bem
mais rudes que os existentes entre as aldeias". '" Descrevendo os comba-
tes, meio-simbólicos meio-reais, que se realizam por ocasião de um casa-
mento entre membros de aldeias diferentes, Mills observa que o noivo
conduz sua expedição acompanhado "pelos homens de seu próprio clã,
pelos do clã de sua mãe e pelos que se casaram com mulheres de seu
clã"." Isto é, O conjunto dos homens que contltui, se assim se pode
dizer, "a unidade de casamento" (meu clã, seus dama nis e seus mayu nis,
para empregar a terminologia Katchinl num sistema de troca generali-
zada, cujo lugar preeminente fica assim claramente afirmado. Os membros
de aldeias brigados podem partilhar do mesmo banquete, qualquer que
seja a antiguidade do incidente primitivo. Mas esta proibição não impe-
de de maneira alguma os intercasamentos." Mais impressionante ainda
é o caso dos Rengma. "Quando duas aldeias estão em guerra, é natural
que se odeiem cordialmente. Entretanto, este ódio não se estende às mu-
lheres da aldeia inimiga, casadas na outra aldeia. Estes casamentos eram
outrora freqüentes, e a mulher tinha o direito de visitar seus parentes,
embora seu marido estivesse em guerra com eles. Fazia-se acompanhar
de dois ou três homens da aldeia de seu marido, todos levando pacotes
de folhagens. Durante todo o tempo em que permaneciam na aldeia ini-
miga, eram considerados sagrados ... "." Vê-se que, em tals sistemas, as
alianças matrimoniais são o fundamento essencial da estrutura social.
Como diz o provérbio: "o casamento é o mais forte de todos os nós"."



  1. Mills. The Ao Nagas, p. 58. Hutton. The Angami Nagas, p. 52.

  2. MiIls, The Rengma Nagas, p. 213. 75. Mi11s, The Lhota Nagas, p. 155.
    76. MiIls, The Ao Nagas, p. 00-70.

  3. G. M. Godden, NagB and Other Frontier Tribes of Northeastern India. Journal
    of the Royal Anthropologtcal lnstitute. vol. 26, 1896, p. 167.

  4. Id., vol. 27, 1897·1898, p. 23. 79. Mills, The Renuma Nagas, p. 210.

  5. Mills, The Lhata Nagas, p. 101 e n. 1. 81. MUIs. The Rengma Nagas. p. 161·162.

  6. Gurdon, Some Assumese Proverb8, op. cit., p. 71.


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