brinquedos pueris de sua pequena desposada. Não se cansava de admirá-la
e de fazer os espectadores partilharem de seus sentimentos. Durante anos
seu pensamento seria ocupado pela perspectiva de montar um lar. Sentir-
se-ia reconfortado, pela certeza de crescer a seu lado em força e em
beleza, de escapar um dia à maldição do celibato. Desde já, sua nascente
ternura exprimia-se em inocentes presentes. Este amor, dilacerado, se-
gundo nossos critérios, entre três ordens irredutíveis, a paterna, a fraterna
e a marital, em um contexto apropriado não oferecia qualquer elemento
de perturbação, e nada podia levar a adivinhar nele uma tara, que pusesse
em perigo a futura felicidade do casal, e menos ainda a ordem social inteira.
Contra Malinowski, e contra seus discípulos que procuraram manter
em vão uma posição obsoleta,"" devemos dar razão aos autores que, como
Fortune e Williams, continuando o modo de pensar de Tylor, encontraram
a origem da proibição do incesto em suas implicações positivas."' Con-
forme diz com razão um observador, "dá-se com o casal incestuoso o
mesmo que com a família avara: Isola-se automaticamente do jogo que
consiste em dar e em receber, ao qual se reduz toda a vida da tribo.
Nesse corpo coletivo, tornam-se um membro morto ou paralisado". =~
Um casamento não poderia, pois, ser isolado de todos os outros, passa-
dos ou futuros, que ocorreram, ou irão realizar-se, no grupo. Todo casa-
mento é o término de um movimento, o qual, uma vez chegado a esse
ponto, deve inverter-se para se desenrolar em novo sentido. Se o movi-
mento para~ todo o sistema de reciprocidade ficará abalado. Ao mesmo
tempo que l) casamento é a condição para que se realize a reciprocidade,
a cada lal1ce põe, por conseguinte, em risco a existência da reciprocidade,
pois que aconteceria se uma mulher fosse recebida sem que uma filha
ou uma ir'niã fosse restituída? É preciso correr este risco, no entanto, se
quisermos que a sociedade continue. Para salvaguardar a perpetuidade so·
cial da aliança é preciso comprometer·se com as fatalidades da filiação,
isto é, em suma, da infra-estrutura biológica do homem. Mas o reconheci-
mento social do casamento (isto é, a transformação do encontro sexual
com base na promiscuidade em contrato, em cerimônia ou em sacramento)
é sempre uma aventura angustiante. Compreende-se que a sociedade tenha
procurado defender-se contra os riscos que acarreta pela imposição con-
tínua e quase maníaca de sua marca. Os Hehé, diz Gordon Brown, pra-
ticam o casamento dos primos cruzados, mas não sem hesitação, porque
se permite manter o vínculo clânico, ao mesmo tempo faz correr o risco
de destruí-lo em caso de mau casamento. Os informantes indicam que, "por
causa disso. muitas pessoas se recusam a ele".'~ Esta atitude ambivalente
dos Hehé, com relação a uma forma especial do casamento, é a atitude
:>(,_ social por excelência diante do casamento em todas as suas formas. Ao
reconhecer e sancionar a união dos sexos e a reprodução a sociedade
impõe-se à ordem natural mas ao mesmo tempo dá à ordem natural sua
possibilidade, sendo lícito dizer, a respeito de todas as culturas do mundo,
o que um observador relatou a propósito de uma delas. "A mais fun-
- B. Z. Seligman, The Incest Barrier: its Role in Social Organization. British
Journal of Psychology, vaI. 22, 1931-1932. - R. F. Fortune, artigo Incest, na Encyclopaedia of the Social Sciences, op. cit.;
F. E. Williams, Papuans of the Trans-Fly, Oxfard 1936, p. 169; E. B. Tylor, On a
Method of lnvestigating the Development of lnstitutions. op. cito - G. Devereux, op. cit., p. 529.
- G. Gordon Brown, Hehe Cross-cousin MaTriage, loco cito
529
, -