l
damental das noções religiosas é a que se refere à diferença reinante
entre os sexos. Cada qual é perfeitamente normal à sua maneira, mas o
contato deles mostra-se carregado de perigo para ambos"_"
Todo casamento é pois um encontro dramático entre a natureza e a
cultura, a aliança e o parentesco. "Quem deu a noiva?", canta o hino hindu
do casamento_ "A quem pois a deu? É o amor que a deu, é ao amor que
foi dado_ O amor deu, o amor recebeu_ O amor encheu o oceano_ Com amor
aceito·a. Amor que esta mulher te pertença". 28 Assim, o casamento é uma
arbitragem entre dois amores, o amor dos pais e o amor conjugal. Mas
todos dois são amor, e no momento do casamento, se considerarmos este
instante isolado de todos os outros, ambos se encontram e se misturam,
1'0 amor encheu o oceano". Sem dúvida, só se encontram para se substi-
tuirem um ao outro e realizam uma espécie de contradança. Mas o que,
para todo. o pensamento social, faz do casamento um mistério sagrado,
é que, para se cruzar, é preciso, ao menos por um instante, que se juntem.
Nesse momento, todo casamento tangencia o incesto, ou melhor, é incesto,
pelo menos incesto social, se é verdade que o incesto, entendido em sen-
tido mais largo possível, consiste em obter por si mesmo e para si mesmo,
em lugar de obter por outrem ou para outrem.
Mas, uma vez que é preciso ceder à natureza para que a espeCle se
perpetue, e com ela a aliança social, é prpciso ao menos que a contradi-
gamos, ao mesmo tempo em que cedemos, e que o gesto realizado em
direção a ela. seja sempre acompanhado de um gesto que a restringe.
Este acordo entre a natureza e a cultura estabelece-se de duas maneiras,
pois dois caso~se apresentam, um no qual a cultura deve ser introduzida
porque a sociêqade é todo-poderosa, o outro em que a natureza deve ser
excluida porque desta vez é ela que governa. Diante da filiação, pela afir-
mação do principio unilinear, diante da aliança, pela instauração dos
graus proibidos.
As múltiplas regras que proibem ou prescrevem certo tipo de cOnju-
ges, e a proibição do incesto, que as resume, esclarecem-se a partir do
momento em que se estabelece ser necessário que a sociedade exista. Mas
a sociedade teria podido não existir. Não teremos, portanto, julgado re-
solver um problema senão para lançar todo o peso dele sobre outro
problema, cuja solução parece ainda mais hipotética do que aquela a que
nos dedicamos exclusivamente? Na verdade, observemos, não estamos dian-
te de dois problemas, mas de um só. Se a interpretação que propusemos
é exata, as regras do parentesco e do casamento não se tornaram neces-
,sárias pelo estado da sociedade. São o próprio estado da sociedade, remo-
delando as relações biológicas e os sentimentos naturais, impondo-lhes
tomar posição em estruturas que as implicam ao mesmo tempo que
- Hogbin, Native culture of Wogeo, Oceania, val. 5, 1935, p. 330.
- Citado por G. Banerjee, The Hindu Law 01 MaTriage and Stridhana, op. cit.,
p. 91. Sobre o casamento considerado como limite do incesto, poderá comparar-se,
com uma orientação inteiramente diferente: "Um sentimento profundo (entre ma·
rido e mulher) teria parecido extravagante e mesmo "ridículo", em todo caso, in·
conveniente. Chocaria como um aparte sério no curso geral de uma conversa leve.
Todos estão obrigados a se consagrarem a todos, e seria isolarem-se os dois. Quando
se está em companhia de outras pessoas não se tem o direito ao colóquio" (Besen.
vaI, p. 49, 60, citado por Taine. Les Origines de la France contemporaine, Paris, 32'
ed., s.d, vaI. I, p. 206-207).
530