OUTUBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 21
US$ 400 milhões por ano. Em parale-
lo ao Fórum Internacional de São Pe-
tersburgo, em outubro de 2019, o Mi-
nistério das Finanças russo se
recusou a compensá-la sem “um
conjunto de medidas sobre nossa fu-
tura integração no âmbito do Trata-
do da União Europeia”. Também pela
primeira vez, Moscou condicionou
sua ajuda a avanços concretos sobre
o projeto de criação de uma confede-
ração com tributação, moeda e insti-
tuições políticas comuns, que enga-
tinha desde 1999. Os dirigentes
russos e bielorrussos destilam a con-
ta-gotas o conteúdo e o resultado das
discussões que mantêm no contexto
atual. Por ocasião do encontro de 14
de setembro, o presidente russo pro-
meteu à Bielorrússia um crédito de
US$ 1,5 bilhão a Minsk, negando exi-
gir contrapartidas políticas, o que é
difícil de acreditar...
Diversos parâmetros, porém, po-
deriam prejudicar o cenário de uma
saída gradual do presidente. Em pri-
meiro lugar, a questão de segurança
que a Bielorrússia representa para
Moscou: o país se encontra na linha
de frente diante da Otan e se torna,
por isso, um elemento essencial da
estratégia de defesa russa. Signatário
do Tratado de Segurança Coletiva
(OTSC) em 1992, Moscou concluiu
vários acordos militares com Minsk,
após a entrada da Polônia, seguida
dos países bálticos, na Otan e o posi-
cionamento do escudo antimíssil
norte-americano na Polônia e na
Romênia. Rússia e Bielorrússia, que
estabeleceram uma cooperação mili-
tar forçada, organizam exercícios co-
muns de grande amplitude; o último,
Zapad, ocorreu em 2017. Além disso, a
Bielorrússia abriga duas bases mili-
tares russas, e uma delas, situada em
Gantsevitchi, está integrada ao siste-
ma de alerta antimíssil russo.^5
O reforço da presença norte-ame-
ricana na Polônia – que deve receber
mil soldados transferidos da Alema-
nha –, somado ao contingente de
4.500 homens instalados em rodízio,
fortalece ainda o papel de tampão de
Minsk, tendo em mente que a frontei-
ra bielorrussa fica situada a 500 qui-
lômetros da capital russa. Em 27 de
agosto, durante uma entrevista cedi-
da ao canal público Rossia 24, Vladi-
mir Putin afirmou, nesse sentido,
que suas tropas interviriam “se a si-
tuação estiver fora de controle e se
elementos extremistas [...] ultrapas-
sem certos limites: incêndios de car-
ros, de casas, de bancos, ocupações
de edifícios administrativos”, valen-
do-se de uma série de acordos, entre
eles o Tratado de Segurança Coletiva.
A menção de uma ação combinada
em caso de ameaça à “estabilidade”
foi acrescida ao texto em 2010. Esse
termo vago concede uma considerá-
vel margem de interpretação a Mos-
cou, que tem, em todo caso, mostra-
do na Ucrânia que não hesita, como
outras potências, em transgredir o
direito internacional quando julga
que seus interesses fundamentais es-
tão ameaçados.
Outro fator de incerteza: as difi-
culdades da oposição. Enquanto Pa-
chinian dava uma cara à revolução
armênia – e tinha um interlocutor em
Moscou –, os protestos bielorrussos
não reivindicam um líder. Moscou
desconfia, além disso, do Conselho
de Coordenação, o qual não se sabe
se sobreviverá à prova de resistência
com o poder. Perseguidos na Bielor-
rússia, seis de seus sete membros es-
tão atrás das grades ou conseguiram
refúgio na Lituânia, Ucrânia e Polô-
nia, três países hostis a Moscou. Além
disso, durante a campanha presiden-
cial, surgiram contradições entre os
opositores acerca das questões de se-
gurança. Viktor Babariko, diretor de
um banco comandado majoritaria-
mente pela gigante russa Gazprom-
bank e apresentado como o candida-
to mais próximo do Kremlin,
declarou “[querer] ver um dia a Bie-
lorrússia tornar-se um país neutro”.
Tal perspectiva desagradaria muito a
Moscou, que deseja dispor de um es-
cudo entre a Rússia e a Otan, e não de
uma Suíça. Quanto a essa opção es-
tratégica, Tikhanovskaya e outros
opositores permanecem incertos.
Encurralada, a oposição poderia so-
bretudo se aproximar mais ainda dos
europeus. Após o desbloqueio da aju-
da russa, o ex-ministro Pavel Latuch-
ko, hoje membro da Junta Governati-
va do Conselho de Coordenação,
clamou por um engajamento da
União Europeia em um plano de aju-
da “de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões”
- ou seja, pelo menos o dobro da aju-
da russa –, condicionado à transfe-
rência do poder à oposição. No mes-
mo dia, a comissão havia oficialmente
se recusado a reconhecer Lukashen-
ko como presidente legítimo.
Entre se apoiar em um regime fra-
gilizado ou apostar em uma oposição
dividida e de lealdade incerta, o
Kremlin não está em uma situação
tão confortável como alguns afir-
mam. Putin avalia esses dois cená-
rios, que diferem tanto dos preceden-
tes ucranianos como do armênio.
Embora a integração dos dois Esta-
dos continue a ser o objetivo a longo
prazo, não respeitar as regras com
Lukashenko hoje seria correr o risco
de perder a população bielorrussa... e
suscitar sentimentos antirrussos,
que estão, por enquanto, inexistentes
nas revoltas. Nesse caso, essa “revo-
lução” correria o risco de não ser
mais apenas democrática, mas tam-
bém geopolítica.
*Hélène Richard é jornalista do Le Mon-
de Diplomatique.
1 Le Monde, 7 maio 2018.
2 Ler “Un tournant dans la diplomatie françai-
se? ” [Um tornado na diplomacia francesa?],
Le Monde Diplomatique, dez. 2019.
3 Ler “Minsk se rebiffe contre le grand frère rus-
se” [Minsk se revolta contra o grande irmão
russo], Le Monde Diplomatique, jun. 2017.
4 “Using Good Times to Build Resilience”
[Usando bons tempos para construir resiliên-
cia], apresentação de Jacques Miniane, chefe
de missão para a Bielorrússia do FMI, 6 nov.
- Disponível em: http://www.imf.org.
5 Cf. Ioulia Shukan, “La Biélorussie après la crise
ukrainienne: une prudente neutralité entre la
Russie et l’Union européenne?” [A Bielorrússia
após a crise ucraniana: uma prudente neutrali-
dade entre a Rússia e a União Europeia?], Es-
tudos do Instituto de Pesquisa Estratégica da
Escola Militar (Inserm), n.50, 2017.
© Winny Tapajós
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