marighella

(Ornilo Alves da Costa Jr) #1
234 CARLOS, A FACE OCULTA DE MARIGHELLA

Edson – Isso foi quando?
Ana – Isso foi à ocasião da chamada revolução que houve aqui.
Então, disseram a Marighella que Ana Montenegro não apareceu no
dia certo. Ele disse que Ana não chegou no dia certo porque tinha
uma exposição de pintores franceses, que eu amava muito, surrealistas,
mais ligados a esse companheiro da Espanha, Picasso. Eu conheci
Picasso, aliás eu tenho até um presente que ele me deu.
Eu disse, certa vez, a Marighella sobre os pintores surrealistas:
“Esse realismo, essa claridade, parece que recolheram toda a luz da
natureza”.
Ele disse: “Isso é engano seu, venha cá, olhe aqui desta janela, o
universo continua iluminado, logo não recolheram toda a luz”.
Ele tinha respostas que eram humanas, mas eram filosóficas. Ele
era dialético – ‘o universo continua iluminado’ – é uma resposta que
não é todo mundo que dá.


Edson – A senhora se lembra de alguma outra passagem?
Ana – Outra coisa de Marighella era que a gente queria saber quem
era ele. É uma coisa que eu nunca esqueci na minha vida, é a sim-
plicidade com que ele se autodefinia. Eu disse uma vez: “Marighella,
você que foi torturado, que sofreu tanto, você que está dando sua
vida, tudo isso, sendo ameaçado – foi nas vésperas de quando eu fui
embora do Brasil – eu quero lhe perguntar uma coisa: quem é você”?
Ele disse: “Olha Ana, eu me considero um mulato baiano! Como
é que você não me vê como um mulato baiano”?
Eu disse: “Eu vejo, fisicamente”.
Ele disse: “Não, dentro de mim também, porque eu não sou uma
pessoa diferente dos outros, você não pode me considerar uma pessoa
diferente dos outros”.
Outra coisa que eu achava de Marighella era o problema que ele
tinha a respeito da necessidade de se pôr as coisas em prática. Ele foi
quem me ensinou uma coisa que os gregos escreveram.

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