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PÂNICO VIRTUAL
Imagine alguém que tem pavor
a sujidade, a tal ponto que este
asco o impede de passar perto
de caixotes do lixo, de sair à
rua, de ter uma vida dita normal.
É possível que sofra de uma
perturbação obsessiva compulsiva,
caso extremo de ansiedade, que
gera pensamentos recorrentes
indesejáveis e incontroláveis. O
tratamento de primeira linha para
este tipo de perturbação – que se
pode manifestar relativamente às
mais variadas situações, sendo a
obsessão com a limpeza uma das
mais comuns – é expor o paciente
ao objeto de repulsa. No caso,
poderia significar, por exemplo, levar
a pessoa a conviver com o lixo até
que conseguisse ir deitar o saco
ao contentor. Em Portugal, bem
como na grande maioria dos países,
não há qualquer capacidade de
oferecer este tipo de terapia, muito
consumidora de tempo e recursos.
Além disso, é muito difícil conseguir
que o paciente aceite e colabore
nesta espécie de ‘terapia de choque’.
Óscar Gonçalves, licenciado
em Psicologia, doutorado em
neurociências e investigador do
Psychological Neurosciences Lab
da Universidade do Minho tem
muita experiência com este tipo de
pacientes e já viu de tudo.
Juntou-se a uma equipa do
Proaction Lab, da Universidade de
Coimbra, e a outra do NeuroRehab
Lab, da Universidade da Madeira,
para criar um sistema de realidade
UNIV. MADEIRA,
MINHO E COIMBRA
PROJETO: NOOCDCITY
FINALIDADE: SISTEMA DE REALIDADE VIRTUAL
PARA O TRATAMENTO DE PERTURBAÇÃO
OBSESSIVA COMPULSIVA
virtual que expõe os doentes às
situações que desencadeiam a
reação de repulsa. Esta abordagem,
de dessensibilização com recurso
a cenários fictícios, não é nova.
No entanto, o sistema agora
desenvolvido, o NoOCDCity,
tem algumas características
que podem torná-lo mais eficaz.
Em investigações anteriores,
verificou-se que estes pacientes
têm dificuldade em processar
sentimentos agradáveis, ou seja, há
uma desregulação quer ao nível das
experiências negativas, quer das
positivas. “Estudos de neuroimagem
permitiram-nos chegar a esta
conclusão. E pensamos que este
é um dos grandes obstáculos à
terapia”, observa Óscar Gonçalves.
Além da realidade virtual facilitar
a exposição, porque apresenta um
cenário intermédio entre real e
fictício, no NoOCDCity o paciente
é exposto a cenários agradáveis,
que vão sendo intercalados
com imagens que causam
repulsa. “Vamos desinibindo para
cenários agradáveis e pelo meio
vamos introduzindo os cenários
desagradáveis”, descreve o
investigador. Quando o paciente
chega a este momento, são
medidos parâmetros fisiológicos
relacionados com a ansiedade, como
o batimento cardíaco e a sudorese.
“O doente recebe feedback
destas medições e vai sendo
orientado no sentido de aprender
a autocontrolar-se. À medida que o
paciente vai sendo bem-sucedido
no controle da ansiedade, a imagem
desagradável vai desaparecendo”,
continua Óscar Gonçalves. A
exposição a este mundo virtual está
associada à estimulação cerebral
através de uma corrente elétrica –
aumenta-se a inibição para cenários
desagradáveis e estimula-se
quando o cenário é agradável - que
potencia a terapia. O NoOCDCity
prevê três produtos diferentes:
um standard, que é o capacete de
realidade virtual, um mais complexo,
que ocupa uma sala inteira, e uma
aplicação de telemóvel, para o
doente usar em casa.
ÓSCAR GONÇALVES