edição 83 • Paixão Pelo vinho • 9
Situemo-nos, pois, na Herdade Aldeia de Cima, na Serra do Men-
dro, próximo da Vidigueira. A visão e o amor pelo património de
Luísa Amorim e do seu marido Francisco Rêgo, os seus proprie-
tários, permitiram perceber a grande valia de vinhas antigas, de
produção muito reduzida, mas de óptima qualidade. Em 2019 um
vizinho da Herdade pediu a Luísa que mandasse vindimar as uvas
de duas pequenas courelas na Cevadeira, num total de 1,5 ha, no
sopé da Serra do Mendro. A vinha velha em viticultura de sequeiro
era composta apenas por castas tintas tradicionais - Alfrochei-
ro, Tinta Grossa e Trincadeira -, e tratada com pouca intervenção
produtiva, dando origem a uma produção muito pequena de me-
nos de 1 kg de uvas por cepa.
A propósito diz Jorge Alves, o chefe de enologia da casa: “O bi-
nómio videira/tempo consegue mostrar-nos a ancestralidade da
vinha neste sítio. Ainda o sol está baixo e já a vinha desperta com
os primeiros raios. A simbiose entre geologia, casta e clima pare-
ce-nos aqui ainda mais forte. Tudo na Cevadeira tem caráter in-
tenso, sobretudo a resiliência e o sentido de nanoterritório”. Aqui,
a exposição a sul e a composição do solo pardo, ao estilo Bor-
gonha, são cruciais, feito de materiais soltos de grão médio com
baixo teor argiloso e pouco estruturado, micas, quartzo, felds-
pato, anfibólitos, como referem os apreciadores, uma verdadeira
preciosidade.
Foi das uvas dessas parcelas que nasceu o Myndru.
Segundo Luísa Amorim: “Nestas courelas da Cevadeira, protegi-
das pelas sombras das encostas do sopé da Serra do Mendro, as
castas antigas de película fina promovem uma cor muito bonita,
translúcida, e taninos suaves e redondos e, por isso, considera-
mos que estas uvas teriam que seguir um caminho como anti-
gamente no Alentejo, sem intervenção humana, sem madeira, o
mais natural possível. No Myndru conseguimos sentir tradição e
tipicidade oferecidas pelo território e pelas ânforas de Coccio-
pesto (gesso) e pelos Tinajas de barro (potes). A transparência das
uvas, a gravidade do Alfrocheiro, a suculência e a viscosidade da
Tinta Grossa formam sensações que nos povoam a memória e
nos trazem à lembrança vinhos que ecoam vozes primitivas. No
final, chega a percepção mineral e a tensão da Baga e, o mais
engraçado, aquela firmeza da qual não estamos à espera e que é
aperfeiçoada pelo estágio de 12 meses em ânfora de Cocciopes-
to”, reforça com muito entusiasmo.
O Myndru é feito com uvas de duas vinhas de plantação à an-
O Myndru é o novo vinho produzido na adega da
Herdade da Aldeia de Cima, na Vidigueira, nascido no
sopé da Serra do Mendro. Provamos a primeira colheita,
a de 2019, muito recentemente chegada ao mercado, e
a sensação com que ficámos pode ser descrita como de
uma fantástica textura e uma enorme delicadeza
myndru
um vinho alentejano que
nos faz viajar no tempo
> texto António Mendes Nunes > fotografia D.R.
O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico
tiga, não aramadas, meio ha da Vinha da Cevadeira (Alfrocheiro
e Trincadeira) e de 1 ha da Vinha da Zorreira (Trincadeira e Tinta
Grossa). Num e noutro caso quer a composição do terreno, quer
a exposição, ao estilo da Borgonha, permitiram perceber o exce-
lente resultado final. No lote final, além do Alfrocheiro (70%), Tinta
Grossa (15%) ainda entra Baga (15%) proveniente de outra vinha.
O Myndru é um vinho muito elegante, de boa complexidade, com
notas de frutos vermelhos e referências muito claras a aromas
balsâmicos de carrasco e esteva. Foram produzidas pouco mais
de 2000 garrafas de 75 cl cujo preço ronda os 70 euros e mais 115
garrafas de 1,5l que custam 145 euros.
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