Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

forma reflexiva drogar-se não criaria nenhum problema: é altamente provável
que o jovem se drogasse, fato que não me diz respeito; mas a forma transitiva
drogar pressupõe um drogador e um drogado, tendo este último dado o seu
consentimento, inconsciente ou forçado.
É igualmente provável que Inigo tanto se deixasse drogar como tentasse
fazer seguidores, conquistando-os para os entorpecentes; imagino cigarros
filiformes que passam de sua mão para as de Ogiva ou da velha Roessler. É o
jovem nobre que transforma a pensão desolada num antro povoado de
alucinações cambiantes? Ou foi a senhoria que o atraiu, para explorar sua
propensão ao êxtase? Talvez seja Ogiva que consiga a droga para a velha
opiômana, e Inigo, espionando-a, tenha descoberto o esconderijo, e tenha
irrompido ameaçando-a com revólver ou chantageando; Roessler pede socorro a
Belindo e difama Inigo, acusando-o de ter seduzido e prostituído Ogiva, casta
paixão do usbeque, que se vinga estrangulando-o; para sair dessa enrascada só
resta à senhoria induzir ao suicídio o lutador, tanto mais que a companhia de
seguros paga as indenizações, mas Belindo, perdido por perdido, violenta Ogiva,
amarra e amordaça e atiça o fogo na fogueira exterminadora.
Vamos com calma: não posso ter a pretensão de derrotar o computador em
velocidade. A droga também poderia estar relacionada com Belindo: velho
lutador sem fôlego, agora ele só sobe ao ringue se estiver entupido de
estimulantes. É a velha Roessler que os ministra, dando-lhe comida na boca
com uma colher de sopa. Inigo espiona pelo buraco da fechadura: ávido pelos
psicotrópicos, ele se precipita e tenta receber uma dose. Diante da recusa,
chantageia o lutador, ameaçando-o de desqualificá-lo no campeonato; Belindo o
amarra e amordaça, depois prostitui Ogiva por poucas guinés, ela que havia
tempos se enrabichara pelo aristocrata fugidio; Inigo, indiferente a Eros, só pode
estar em condição de fazer amor se estiver prestes a ser estrangulado; Ogiva lhe
aperta a carótida com as pontas de seus dedos afuselados; talvez Belindo lhe dê
uma mão; bastam dois dedos seus e o pequeno lorde revira os olhos e bate as
botas; que fazer com o cadáver? Para simular um suicídio, eles o esfaqueiam...
Pare! Toda a programação precisa ser refeita: preciso apagar da memória
central a instrução agora armazenada, pois quem é estrangulado não pode ser
esfaqueado. Os anéis de ferrita se desmagnetizam e remagnetizam; eu transpiro.
Recomecemos do início. Qual é a operação que o cliente espera de mim?
Arrumar numa ordem lógica um certo número de dados. São informações que
estou manipulando, e não vidas humanas, com seu bem e seu mal. Por uma
razão qualquer que não me diz respeito, os dados de que disponho só se referem
ao mal, e o computador deve pô-lo em ordem. Não o mal, que talvez não possa
ser posto em ordem, mas a informação sobre o mal. Com base nesses dados,
contidos no índice analítico dos Atos abomináveis, preciso reconstituir a Relação
perdida, seja ela verdadeira ou falsa.

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