em quando, alguém vai longe demais. Se um funcionário público está disposto a
mentir, destruir documentos, apagar e-mails; se os políticos estão dispostos a
enganar os eleitores; se a polícia e os colegas de Marcus estiverem dispostos a
desrespeitar aqui e ali as leis – logo elas, que constituíam os alicerces da Instituição
- e desse modo salvaguardar o sistema, mesmo ao custo da própria vida, física ou
profissional. Era o que Marcus tinha feito. Se não, a Instituição teria desmoronado.
E agora ele estava de fora. Já não prestava mais para eles. Por ter errado, também.
Na hora da verdade, no momento decisivo, ele tinha falhado. Não conseguira
apertar o gatilho. Agora cabia a Trane defender a Instituição. Isso colocava Marcus
em que situação? Estava livre? Tinha deixado de ser o homem do sistema. Suas
obrigações estavam em outro lugar. Mas onde?
Precisava sair dali. Uma imagem o perseguia – a mulher que tinha descido do táxi
em frente ao hospital. Tinha sido miragem? Estaria vendo Eva em toda parte? Tal
qual as crianças pequenas que veem em todos os lugares as poucas pessoas que
conhecem e, em férias na Tailândia, por exemplo, exclamam de repente: “Olha lá a
tia!”, apontando alguma mulher que não se parece minimamente com a tia. Os
médicos também o tinham entupido de analgésicos, e estava com a cabeça um tanto
enevoada. Na hora em que desmaiara, ele viu Eva entrar no hospital. Viu, sim. Ou
talvez não; não sabia. Provavelmente tinha sido alucinação, um desejo não expresso.
Quem dera Eva estivesse ali! Mas, ora: outras vezes Marcus já fora ferido e havia
sido entupido de remédios, e ainda assim conseguira analisar corretamente as
situações logo em seguida. Portanto, talvez fosse mesmo ela, Eva, que tinha ido ao
hospital para que examinassem os ferimentos horrorosos que Marcus lhe infligira.
Quem seria a mulher que a acompanhava? E se tinham examinado Eva, haveria
histórico clínico disso em formato digital. Era a única pista que Marcus precisaria
seguir.
Visão de conjunto. Marcus repassou o que sabia: Trane tinha se apossado de seu
posto; se Marcus não encontrasse uma solução, Eva logo estaria morta e enterrada;